O portal “R7” publicou em 15/12 a notícia que o médico Renato Kalil teria utilizado de violência obstétrica contra a influenciadora digital Shantal Verdelho, durante o parto realizado no dia 13/09, em São Paulo. Segundo a influenciadora, o médico a teria xingado durante o parto.
Após a denúncia de Shantal Verdelho outros portais de notícias postaram que duas mulheres realizaram novas denúncias. Uma delas, a bancária Letícia Domingues, disse que o médico teria lhe estuprado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no ano de 1991.
Sobre os casos narrados faremos alguns comentários jurídicos.
A primeira vítima alegou ter sofrido “violência obstétrica”. Vamos entender o termo:
A violência obstétrica é uma espécie de violência institucional contra a mulher, praticada durante a gravidez, o parto e o pós-parto. Essa violência pode ser física ou psicológica. São exemplos: negação de tratamento durante o parto, humilhações verbais, desconsideração das necessidades e dores da mulher, práticas invasivas, violência física, uso desnecessário de medicamentos, intervenções médicas forçadas e coagidas, detenção em instalações por falta de pagamento, desumanização ou tratamento rude, etc.
Sobre o tema, o Estado do Paraná publicou a Lei Estadual nº 19.701, de 20/11/2018, com a seguinte redação:
“Lei Estadual nº 19.701/18, Art. 2º Para efeitos desta Lei, configura violência obstétrica:
I – qualquer ação ou omissão que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico;
II – a negligência na assistência em todo período gravídico e puerperal;
III – a realização de tratamentos excessivos ou inapropriados e sem comprovação científica de sua eficácia;
IV – a coação com a finalidade de inibir denúncias por descumprimento do que dispõe esta Lei.
Parágrafo único. A violência obstétrica de que trata esta Lei pode ser praticada por quaisquer profissionais de saúde, de estabelecimentos públicos ou privados, incluindo redes de saúde suplementar e filantrópica e serviços prestados de forma autônoma.”
Na esfera criminal não há um tipo penal específico para esse comportamento indesejado. Porém, a depender do caso concreto, pode-se cogitar de lesão corporal (CP, artigo 129), crime contra a honra (CP, artigo 138 e seguintes), violação sexual mediante fraude (CP, artigo 215) e até mesmo estupro de vulnerável (CP, artigo 217-A).
Não sendo possível a subsunção a estes delitos mais graves, a violência obstétrica pode configurar a novel “violência psicológica contra a mulher”, crime previsto art. 147-B do Código Penal, introduzido recentemente pela Lei nº 14.188/2021. Vejamos:
“CP, Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”
Em relação a eventual estupro ocorrido, em tese, no ano de 1991, não há mais como o Estado aplicar qualquer sanção penal ao agente, pois o fato teria sido praticado há mais de 30 anos, estando indubitavelmente alcançado pelo fenômeno da prescrição.
Vale lembrar que o maior prazo prescricional previsto em nosso ordenamento jurídico é de 20 anos (art. 109, inciso I do Código Penal).
Curiosidade sobre prescrição:
O termo inicial da prescrição da pretensão punitiva (PPP) nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes será da data que a vítima completar 18 anos (art. 111, inciso V do CP).
A redação deste inciso foi dada pela Lei 12.650/2012, conhecida como “Lei Joanna Maranhão”, atendendo ao mandado constitucional de criminalização expresso do art. 227, § 4º da CF/88, que dispõe que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.
Dentro desse espírito, a lei visa conferir maior proteção às crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais, em especial porque muitas dessas infrações são praticadas pelos próprios responsáveis pelo menor. Com isso, a lei também contribui para a redução da cifra negra dessa espécie delitiva (percentual de crimes que são praticados no país, e sequer chegam a ser investigados pela polícia judiciária).
Note que temos uma situação em que a prescrição pode ultrapassar o teto de 20 anos previsto no art. 109, I do CP, uma vez que o termo inicial só tem início quando a vítima atinge a maioridade.
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