MARIA É EXPULSA DO ‘BBB 22’ APÓS AGRESSÃO A NATÁLIA.

Fonte: https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/02/15/maria-e-expulsa-do-bbb-22.htm 

O portal de notícias “UOL” divulgou, em 15/02, que a participante do reality show, Maria, foi expulsa após agredir Natália Deodato durante o jogo da discórdia ocorrido na madrugada desta terça-feira (15). O jogo consistia em um confronto moral entre os participantes, de modo que um acabava jogando um balde de água suja na cabeça do outro, com o consentimento deste. Ocorre que, Maria, ao jogar a água bateu com o balde na cabeça de Natália, levando uma bronca ao vivo do apresentador Tadeu Schmidt.  

A direção do programa decidiu expulsar Maria, alegando que a conduta da atriz foi considerada uma agressão e, portanto, teria descumprido uma das regras do BBB. 

Vamos analisar juridicamente esse caso que gerou enorme repercussão nas mídias sociais: 

Ao visualizar o vídeo fica evidente o dolo de Maria em acertar o balde na cabeça de Natália Deodato, agindo com consciência e vontade para a prática do resultado. Do ocorrido podemos visualizar duas hipóteses: 

1. Tentativa de lesão corporal leve 

O item 42 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal anuncia que “o crime de lesão corporal é definido como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”.  

São exemplos de lesão corporal o hematoma (bolsa de sangue provocada pelo rompimento de vasos sanguíneos de maior calibre) e a equimose, popularmente chamada de “roxo” (mancha escura provocada pelo rompimento de pequenos vasos sanguíneos). 

Por outro lado, o eritema (vermelhidão passageira provocada pela dilatação de vasos sanguíneos) não é considerado pela doutrina e tampouco pela jurisprudência como uma lesão corporal. 

Caso se comprove que Maria agiu com dolo de lesionar a participante, o crime será o de tentativa de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput c/c art. 14, II), pois da análise das imagens não se percebe nenhum tipo de lesão aparente. Vejamos a redação legal dos dispositivos citados: 

Código Penal (…) 

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: 

Pena – detenção, de três meses a um ano.” 

Art. 14 – Diz-se o crime:    

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. 

Observações processuais relevantes quanto ao crime de lesão corporal leve: 

  • É de ação penal pública condicionada a representação (Lei 9.099/95, art. 88); 
  • É de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95, art. 61); 
  • Admite a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95: composição civil dos danos (art. 74), transação penal (art. 76) ou suspensão condicional do processo (art. 89); 
  • Segue o rito do procedimento sumaríssimo (CPP, art. 394, III). 

Observação quanto a tipicidade formal: 

O art. 14, II do CP funciona como uma norma de extensão temporal, pois permite a aplicação da lei penal a um momento anterior a consumação. Repare que não há no tipo legal do art. 129 a conduta de “tentar lesionar”. Por isso, faz-se necessária a utilização de uma outra norma, no caso, o art. 14, inciso II, para que haja a perfeita subsunção do fato com a lei penal. Trata-se da chamada adequação típica por subordinação mediata (tipicidade indireta). 

2. Vias de Fato 

O conceito de vias de fato é obtido por exclusão: são consideradas como tal as agressões incapazes de provocar lesão corporal, a exemplo de tapas, empurrões, puxões de cabelo, etc. Portanto, é um “minus” em relação ao crime de lesão corporal, sendo aplicada subsidiariamente. 

Assim, não restando comprovado o dolo de lesionar na conduta de Maria, que é o que parece ocorrer, pode-se cogitar da contravenção penal de vias de fato (LCP, art. 21), vejamos: 

Lei de Contravenções Penais (…) 

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém: 

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitue crime. 

Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.” 

Em resumo, a diferença entre as infrações penais reside no elemento subjetivo. Enquanto na tentativa de lesão corporal o agente tem a intenção de ofender a integridade física ou a saúde da vítima, mas não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade, na contravenção penal de vias de fato o agente visa agredir a vítima, porém sem causar qualquer lesão. 

Curiosidade: As contravenções penais possuem algumas expressões sinônimas que costumam ser exploradas em prova, a saber: crime anão (Nélson Hungria); crime vagabundo ou delito liliputiano (referência a ilha fictícia de Liliput, habitada por pessoas minúsculas, extraída do romance “As viagens de Guliver”). 

Principais críticas às contravenções penais: 

  1. não se coadunam com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Se uma conduta é grave a ponto de merecer a atenção do Direito Penal, deve ser rotulada como crime e não contravenção; 
  1. a maior parte das contravenções constitui letra morta, sem qualquer repercussão forense; 
  1. a maioria dos dispositivos está ultrapassada, é vetusta e antidemocrática (Guilherme Nucci); 
  1. é uma infração penal de segunda classe, desnecessária e descabida; 
  1. o melhor seria a revogação das contravenções penais, para contribuir com um sistema penal enxuto, eficaz e em sintonia com o princípio da intervenção mínima. 

Observação quanto à ação penal: 

Por uma opção do nosso legislador, as contravenções penais são perseguidas mediante ação penal pública incondicionada (LCP, art. 17). Entretanto, há corrente minoritária defendendo que a ação penal, nessa hipótese, deve ser condicionada à representação do ofendido, pois, conforme defende Bruno Gilaberte, “se a lesão corporal (fato mais grave e análogo) é crime de ação condicionada, as vias de fato (contravenção penal) também devem o ser”. Complementa Nucci: “Há quem sustente que, sendo as vias de fato agressão física de menor gravidade, sem lesionar, é consequência lógica que a ação penal, a despeito do que impõe a lei, seja também condicionada a representação do ofendido.”  

Contudo, tal posição não prevalece nos Tribunais: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando quanto à natureza pública incondicionada da ação penal em caso de delitos de vias de fato praticados mediante violência doméstica e familiar contra a mulher” (AgRg no REsp 1.738.183/AM, Sexta Turma, j. 27/11/2018).” 

Importante observar que a ação penal é pública incondicionada por força da disposição legal (art. 17, LCP), independente do contexto em que foi praticada. 

3. Aspectos médico-legais 

Na medicina legal o tema é estudado pela Traumatologia Forense, que segundo Paulo Furtado e Pedro Henrique Neves: “é a divisão da Medicina Legal que estuda as lesões ao organismo e as energias que as causam”. 

Para efeitos didáticos, faremos uma diferenciação entre trauma e lesão, para que você não confunda: 

  • Trauma é atuação de uma energia externa capaz de provocar desvio ou alteração normal do organismo, com ou sem expressão morfológica. Essa energia que fere é chamada de energia vulnerante. 
  • Lesão é a alteração estrutural morfológica, fisiológica ou mista, proveniente de uma agressão ao organismo. A lesão que não ultrapassa a derme chama-se de escoriação, que nada mais é do que desepitelizar a derme papilar ou o córion, deixando-a desnuda, à mostra. Ultrapassando a derme será considerada ferida, que não se regenera, apenas cicatriza e os vestígios não se perdem. 

No caso apresentado, discute-se se a agressão provocou ou não uma lesão na vítima. Ainda que, sob a ótica da medicina legal, seja possível vislumbrar na conduta de Maria uma energia externa capaz de provocar um desvio no padrão de normalidade no organismo da vítima, mesmo que uma pequena alteração (ainda que perceptível apenas microscopicamente), não há como considerar lesão corporal para fins de penais, conforme expusemos.  

Obra consultada: FURTADO, Paulo; NEVES, Pedro Henrique. Carreiras Policiais: Medicina Legal. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 83-85. 

Vejamos algumas questões sobre o tema tratado: 

CESPE / CEBRASPE – 2021 – PC-AL – Agente de Polícia – Prova Anulada  

A autoridade policial instaurou inquérito policial em virtude de crime de lesões corporais leves cometidos contra mulher no âmbito familiar. O inquérito foi relatado e enviado ao Poder Judiciário.  

Considerando essa situação hipotética julgue o item seguinte.  

Ausente a materialidade das lesões e tendo sido concluído pela existência da contravenção de vias de fato, poderia ser aplicada a transação penal nessa situação.  

Resposta: Errada – Não cabe Transação Penal na Lei Maria da Penha – Súmula 536 do STJ. 

CESPE – 2016 – PC-PE – Delegado de Polícia 

O brasileiro nato, maior e capaz, que praticar vias de fato contra outro brasileiro nato 

A – será considerado reincidente, caso tenha sido condenado, em território estrangeiro, por contravenção penal. 

B – poderá ser condenado a penas de reclusão, de detenção e de multa. 

C – responderá por contravenção penal no Brasil, ainda que a conduta tenha sido praticada em território estrangeiro. 

D – responderá por contravenção, na forma tentada, se tiver deixado de praticar o ato por circunstâncias alheias a sua vontade. 

E – responderá por contravenção penal e, nesse caso, a ação penal é pública incondicionada. 

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