STF anula acórdão do STJ sobre aparelhamento do Estado nos casos de ingresso em domicílio

O Ministro Alexandre de Moraes na data de 02/12/2021, concedeu parcial provimento ao Recurso Extraordinário nº 1.342.077 de São Paulo, anulando o acórdão da 6ª Turma do STJ, de março de 2021, em que um réu por tráfico de drogas suscitava a ilegalidade da prova obtida mediante invasão domiciliar sem autorização judicial. 

Naquele acórdão, o relator, ministro Rogerio Schietti, propôs a concessão da ordem para determinar que, caso policiais precisem ingressar em um domicílio para investigar a ocorrência de crime devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A decisão ainda deu prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias. 

Passaremos a analisar os pontos mais importantes da decisão do Ministro Alexandre de Moraes:  

“Ocorre, entretanto, que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, após aplicar o Tema 280 de Repercussão Geral dessa SUPREMA CORTE, foi mais longe, não só transformando o presente habeas corpus individual em um habeas corpus coletivo, como também estabelecendo requisitos constitucionalmente inexistentes e determinando em abstrato e com efeitos vinculantes e erga omnes a todos os órgãos da administração de segurança pública do País – estaduais, distrital e federal – verdadeira obrigação de fazer inexistente na Constituição Federal e na legislação. 

Nesse ponto, não agiu com o costumeiro acerto o Superior Tribunal de Justiça, pois acrescentou requisitos inexistentes no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, desrespeitando, dessa maneira, os parâmetros definidos no Tema 280 de Repercussão Geral por essa SUPREMA CORTE.” 

Sobre o Habeas Corpus, objeto que ensejou a decisão do STJ, salientou Moraes: 

“A natureza desse específico recurso constitucional não permite a sua utilização de forma abrangente e totalmente genérica, o que dirá que as decisões nele proferidas possuam alcance indiscriminado a todos os processos envolvendo a necessidade de busca domiciliar em caso de flagrante delito, ainda mais com a determinação de implantação obrigatória de medidas não previstas em lei e que são atinentes à organização administrativa e orçamentárias dos órgãos de segurança pública das unidades federativas.” 

Sobre o preceito constitucional da inviolabilidade domiciliar previsto na CF/88, artigo 5º, inciso XI, acrescentou: 

“Não bastasse isso, em segundo lugar, na presente hipótese, o Tribunal da Cidadania extrapolou sua competência jurisdicional, pois sua decisão, não só desrespeitou os requisitos constitucionais previstos no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, restringindo as exceções à inviolabilidade domiciliar, como também, inovando em matéria constitucional, criou uma nova exigência – gravação audiovisual da anuência de entrada no local – para a plena efetividade dessa garantia individual, desrespeitando o decidido por essa SUPREMA CORTE no Tema 280 de Repercussão Geral.” 

Em relação à obrigação específica da administração pública em se aparelhar com câmeras no prazo de um ano, diz Moraes que há violação da separação dos poderes: 

“Ao impor uma específica e determinada obrigação à Administração Pública, não prevista no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça não observou os preceitos básicos definidos no artigo 2º do texto maior, que consagram a independência e harmonia entre os Poderes e garantem que, no âmbito do mérito administrativo, cabe ao administrador público o exercício de sua conveniência e oportunidade (RE 636.686-AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 16/8/2013; RE 480.107-AgR, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 27/3/2009).” 

Conclui o relator: 

“Incabível, portanto, na presente hipótese e em sede de habeas corpus individual, ao Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo o aparelhamento de suas polícias, assim como o treinamento de seu efetivo e a imposição de providências administrativas como medida obrigatória para os casos de busca domiciliar, sob o argumento de serem necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas sobre a legalidade da diligência, em que pese inexistir tais requisitos no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, nem tampouco no Tema 280 de Repercussão Geral julgado por essa SUPREMA CORTE. 

Diante de todo o exposto, em face do decidido no Tema 280 de Repercussão Geral, CONHEÇO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO E ANULAR O ACÓRDÃO RECORRIDO tão somente na parte em que entendeu pela necessidade de documentação e registro audiovisual das diligências policiais, determinando a implementação de medidas aos órgãos de segurança pública de todas as unidades da federação (itens 7,1, 7.2, 8, 12, e 13 da Ementa); MANTENDO, entretanto, a CONCESSÃO DA ORDEM para absolver o paciente, em virtude da anulação das provas decorrentes do ingresso desautorizado em seu domicílio.” 

Conclusão: 

Conforme se extrai dos trechos colacionados, entendeu o Ministro Alexandre de Moraes que o STJ: 

1) ao atribuir efeito erga omnes e vinculante à decisão prolatada no bojo de habeas corpus individual (efeitos inexistentes na Carta Magna), transformou-o em habeas corpus coletivo; 

2) em evidente ativismo judicial, criou requisito inexistente no art. 5º, XI, da CF/88, ao determinar que a diligência de busca domiciliar, em caso de flagrante delito, fosse registrada em áudio e vídeo. Assim agindo, o STJ arvorou-se na figura do legislador, violando o princípio da Separação dos Poderes (art. 2º, CF/88) 

3) atentando contra a harmonia e independência entre os Poderes, impôs à Administração Pública, obrigação de fazer consistente no aparelhamento das polícias e no treinamento dos agentes, olvidando-se que tais atos são atinentes à organização administrativa e orçamentárias dos órgãos de segurança pública das unidades federativas. 

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