Vereadora cita desrespeito após ser eleita para “embelezar” mesa da Câmara

FONTEhttps://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/12/28/vereadora-eleita-embelezar-mesa-cangucu-rio-grande-do-sul.htm 

No dia 28/12 o portal “UOL” noticiou que a vereadora Iasmin Roloff (PT), do município de Canguçu (RS), foi eleita contra sua vontade para assumir a mesa diretora da Câmara Municipal como segunda vice-presidente no próximo ano legislativo. A justificativa dada pelos outros membros da Câmara Municipal foi o de que Iasmin iria “embelezar a mesa”, por ser a única parlamentar feminina no local. 

Irresignada, Iasmin disse que se sentiu desrespeitada enquanto mulher e que tal justificativa seria um insulto com o público feminino, acrescentando que:  

“No momento em que se vota numa mulher apenas pela sua aparência, torna invisível toda sua trajetória e capacidade de construção e inteligência”. 

Vamos analisar juridicamente esse caso: 

Código Penal 

A princípio, apesar da justificativa apresentada ser de péssimo tom, não vislumbramos a subsunção de qualquer infração penal a ser imputada aos vereadores que assim se manifestaram.  

Não se pode olvidar que os delitos contra a honra exigem, para a sua configuração, o elemento subjetivo de caluniar, difamar e injuriar (animus caluniandi, diffamandi vel injuriandi), o que na hipótese não nos parece presente, uma vez que os membros da Câmara Municipal fizeram a escolha baseada na beleza da vereadora eleita. 

Violência Política 

A Lei nº 14.192, de 2021, estabeleceu normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, promovendo alterações no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97). 

Vejamos as definições legais de violência política trazidas pela neófita lei. 

Lei nº 14.192/2021: 

Art. 1º  Esta Lei estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral. 

Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. 

Parágrafo único. As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários. 

Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher. 

Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo. 

Vejamos as alterações no Código Eleitoral: 

CE. Art. 243. Não será tolerada propaganda: 

X – que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia.  

Quantos aos crimes eleitorais, as novas redações e inclusões foram as seguintes: 

CE, Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:    (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021) 

Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. 

Parágrafo único. Revogado.     (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021) 

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime:    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

I – é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real;    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

(…) 

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.     (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

– gestante;    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

II – maior de 60 (sessenta) anos;    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

III – com deficiência.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

Art. 327. As penas cominadas nos arts. 324, 325 e 326 aumentam-se de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos crimes é cometido:    (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021) 

IV – com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia;    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

V – por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.    (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021) 

Conclusão 

Embora as condutas ora analisadas não encontrem subsunção a qualquer norma penal incriminadora prevista no Código Penal, seria possível, ao menos em tese, cogitarmos da prática do crime tipificado no art. 326-B do Código Eleitoral, caso se entenda que os vereadores ali presentes praticaram um dos verbos nucleares, “assediar”, “constranger”, “humilhar”, “perseguir” ou “ameaçar”, com o fim de dificultar o desempenho de seu mandato eletivo, menosprezando ou discriminando sua condição de mulher. 

Obviamente que o elemento subjetivo específico do tipo deve ser demonstrado ao longo de eventual investigação criminal, sob pena de o crime não restar configurado. 

Aspectos processuais 

Investigação:  

Realizada pela Polícia Federal, como regra, pois a Justiça Eleitoral é mantida com recursos da União (art. 2º, Resolução nº 23.640/2021). As Polícias Civis dos Estados possuem atuação supletiva, investigando nos locais onde não a PF não se faz presente (art. 2º, parágrafo único, Resolução nº 23.640/2021). 

Possibilidade de instauração de inquérito policial de ofício:  

O Tribunal Superior Eleitoral, em sessão administrativa realizada em 29.4.2021, decidiu, por unanimidade, fixar a possibilidade de a polícia judiciária instaurar inquéritos policiais de ofício para apurar crimes eleitorais (arts. 3º, parágrafo único e 9º, Resolução nº 23.640/2021). 

Prisão preventiva:  

Como a pena máxima do crime não ultrapassa o patamar de 4 anos demandado pelo art. 313, I do CPP, numa primeira análise não se admite a prisão preventiva. 

Meios extraordinários de obtenção de prova:  

Cabível interceptação telefônica (que exige pena de reclusão – art. 2º, III da Lei 9.296/96), desde que seja o único meio para se obter a prova almejada, dado o requisito da subsidiariedade (Lei 9.296/96, art. 2º, II), mas não captação ambiental (que demanda pena máxima superior a 4 anos – art. 8-A, II da Lei 9.296/96); 

Ação penal:  

Todos os crimes eleitorais são de ação penal pública incondicionada, mesmo quando o bem jurídico tutelado é a honra (art. 355 do Código Eleitoral). 

Prazo para oferecimento da denúncia:  

O MP tem o prazo de 10 dias (art. 357, caput do Código Eleitoral). Em caso de inércia do MP, será cabível queixa-crime em ação penal privada subsidiária. 

Detalhes! 

1) Não há previsão de crime eleitoral culposo. Todas figuras típicas são dolosas. 

2) Em alguns crimes previstos no Código Eleitoral o legislador não cominou a pena mínima. A solução é trazida pelo art. 284 do mesmo diploma legal, que anuncia: “Sempre que este código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão”. 

3) O legislador também não cominou o quantum para agravação ou atenuação da pena. Neste caso o artigo 285 do Código Eleitoral disciplina que o juiz deve fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime. 

Jurisprudência Recente 

A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933). STJ. 5ª Turma. HC 612636-RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/10/2021 (Info 713). 

Quebra de Decoro Parlamentar 

De outro vértice, ainda que se entenda pela inexistência do crime eleitoral, subsiste a quebra do decoro parlamentar, previsto no Decreto-Lei nº 201/1967. 

“Dec.-Lei 201/67, Art. 7º A Câmara poderá cassar o mandato de Vereador, quando: 

III – Proceder de modo incompatível com a dignidade, da Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública.” 

Mas, afinal, o que se entende por “quebra de decoro parlamentar? 

Trata-se de conceito jurídico indeterminado que é explicado com maestria por Miguel Reale: “No fundo, falta de decoro parlamentar é a falta de decência no comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos Representantes (incontinência de conduta, embriaguez, etc.) e falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente.” 

Imunidade Material ou Absoluta (Freedom of Speech) 

Essa imunidade material é uma tese defensiva que poderia ser aventada, pois os vereadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos na circunscrição de seu município, conforme art. 29, inciso VIII da CF/88: 

“CF/88, art. 29, VIII – inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.” 

Essa imunidade exclui a própria tipicidade e somente atinge os crimes de opiniões (não é qualquer opinião) 

Entretanto, a 1ª Turma do STF no Inquérito nº 3.932/DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 21 de junho de 2016 (informativo 831), entendeu que: 

“Palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das funções de um parlamentar e, portanto, não estão protegidos pela imunidade material.” 

E no mesmo sentido o STF na Petição 7.174/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 10 de março de 2020 (informativo 969) salientou: 

“A inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares.” 

Foro por Prerrogativa de Função 

O Plenário do STF, em julgamento realizado na data de 21 de junho deste ano, na ADI nº 6.842/PI, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, declarou inconstitucional a disposição da Constituição do Piauí que estendia o rol de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função a vice-prefeitos e vereadores, em afronta aos princípios da simetria, isonomia e do juiz natural. Vejamos um trecho do voto da relatora: 

“A Constituição da República não prevê foro por prerrogativa de função de vice-prefeitos e vereadores, limitando-se a dispor sobre a matéria no inc. X do art. 29 apenas para o “julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça (…) a jurisprudência prevalecente neste Supremo Tribunal tem se firmado contrária à extensão discricionária do rol de autoridades detentoras dessa prerrogativa, em afronta aos princípios constitucionais da simetria, da isonomia e do juiz natural.” 

Curiosidade criminológica 

Sob a ótica da criminologia, é válido realizarmos uma conexão desse tema com a chamada “criminologia feminista”, forma de reação às correntes criminológicas que tradicionalmente adotam uma posição androcêntrica, ou seja, que, em regra, colocam a figura masculina, ainda que indiretamente, como centro dos estudos criminológicos.  

Colacionamos trecho da nossa obra, na qual citamos Ana Paula Portella, que realiza uma análise da criminologia feminista no campo institucional: 

“O sistema de justiça criminal é predominantemente masculino e as posições de poder são quase que exclusivamente ocupadas por homens. Mais do que um cálculo a respeito das oportunidades igualitárias para ambos os sexos, as feministas pretendem chamar a atenção aqui para o fato de que um ambiente masculino, orientado por premissas científicas androcêntricas e pelos valores patriarcais de nossa sociedade, irá favorecer a expressão de expectativas estereotipadas com relação ao comportamento feminino apropriado, que, por sua vez, irão orientar o julgamento das mulheres que entram no sistema, tanto como vítimas como agressoras. Em consonância com as teorias da reação social, a criminologia feminista estimula a reflexão sobre a natureza da lei e de suas suposições predominantes, levantando a questão dos interesses que são servidos pela lei e quais não são por ela tratados.” 

Questões relacionadas com o tema tratado: 

MPE-PR – 2021 – MPE-PR – Promotor de Justiça Substituto 

Os crimes eleitorais, em sua maioria, estão previstos no Código Eleitoral (Lei 4.737/65), havendo previsão de outros crimes eleitorais em legislação especial, como a Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) e a Lei Complementar 064/90 (Lei de Inelegibilidades). (correta

Dentre os crimes eleitorais previstos no Código Eleitoral (Lei 4.737/65), há modalidades de tipos dolosos de ação, de tipos dolosos de omissão de ação e de tipos culposos. (incorreta

CESPE / CEBRASPE – 2021 – MPE-AP – Promotor de Justiça Substituto 

Considerando o entendimento do TSE acerca dos crimes eleitorais e do processo penal eleitoral, assinale a opção correta. 

A – A improcedência de demanda na justiça eleitoral prejudica o processamento dos mesmos fatos no âmbito criminal. 

B – Admite-se queixa-crime em ação penal privada subsidiária quando caracterizada a inércia absoluta do representante do Ministério Público. 

C – A competência criminal da justiça eleitoral não se estende aos crimes conexos aos crimes eleitorais. 

D – Discurso ofensivo com afirmações genéricas contra a honra de candidato configura crime de calúnia eleitoral. 

E – É constitucional a exigência de prévia autorização judicial para instauração de inquérito policial contra investigado com foro por prerrogativa de função. 

IBFC – 2020 – TRE-PA – Técnico Judiciário – Administrativa 

Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o “quantum”, deve o juiz fixá-lo entre um sexto e dois terços, guardados os limites da pena cominada ao crime. (incorreta

Obra utilizadaFONTES, Eduardo; HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: Criminologia. 4 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 179. 

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